quarta-feira, janeiro 31, 2007

Justiça cega não enxerga

A mãe duma bebé entregou-a a um casal para a criar. Este afeiçoou-se à Esmeralda. O casal Gomes requereu a adopção legal em 2003 e a partir daí começaram as complicações. A declaração passada pela mãe não chegou para as evitar, porque entretanto apareceu o pai biológico a fazer testes e a provar a sua paternidade. Um bocadinho distraído, o senhor. Mas parece que por cá abundam os casos de distracções.
O Tribunal comovido com os apelos pungentes da biologia mandou que a criança fosse entregue ao pai biológico. O Sargento Gomes recusou e a Justiça passou a tratá-lo como sequestrador de crianças aplicando-lhe uma pena de prisão de seis anos.
Este caso arrepiou-me todo. Não apenas porque a pobre Esmeralda se encontra em parte incerta e o seu futuro é também incerto, mas porque na sequência deste caso muitos milhares de crianças abandonadas pelos pais biológicos vão ficar sem uma família que as crie. Quem estará disposto doravante a fazer o trabalho difícil de mudar as fraldas, dar os biberões, passar noites em branco, curar as maleitas, acompanhar os primeiros passos... e depois aparecer um douto juiz de toga investido do poder de privar da liberdade quem se atreva a desafiar as suas ordens, a ordenar a entrega a um desconhecido... "pai" biológico?!
Por estes dias soube-se doutro caso igualmente pungente: em Bragança uma criança da mesma idade da Esmeralda foi abusada de forma continuada pelos pais toxicodependentes, ou, segundo estes, pelo avô. Estes pais estão em liberdade, Luís Gomes está preso! Um escândalo!
Para que conste num futuro Dicionário da Língua dos Afectos: pai ama, pai sofre, pai arrisca (a liberdade e a carreira), pai acompanha, pai ensina, pai educa, pai sustenta, pai está presente, pai defende, pai dá abrigo. Pai tem a dignidade serena e firme visível no olhar de Luís Gomes.
Liberdade para Luís Gomes, já!
Prisão para os abusadores de crianças, já!
Juízes socialmente responsáveis e responsabilizáveis, num futuro próximo.

quinta-feira, janeiro 18, 2007

O País dos Miseráveis que se Julgam Ricos

Nós portugueses arranjamos sempre formas curiosas de vencer as adversidades. Aproveitando os juros baixos endividámo-nos até às orelhas para comprar casa, carro e passar férias no Brasil. Carregámos no saldo do cartão de crédito para comprar as prendas de Natal e pagar a farra de fim de ano.
Como pensamos pagar isso tudo com salários baixos que há 5 anos ou não sobem ou sobem bastante abaixo da inflação? Como aguentamos as constantes subidas de tudo e mais alguma coisa (só o seguro do carro irá baixar)? Como pagararemos o défice do Estado?
Soube há dias que somos os campeões das apostas no Euromilhões. Estranha forma de vencer a crise! Os ricos jogam milhares de euros em jogatanas privadas animados nos intervalos por umas snifadelas de pó branco (o preço da cocaína também desceu) misturadas com whisky velho. Os pobres recorrem ao fácil mas ruinoso crédito telefónico para conseguir uns (poucos) milhares de euros pagos a juros dos anos oitenta!
A seguir aos filandeses somos os que temos mais telemóveis. Estamos também entre os que têm mais carros per capita, o que tem lógica se pensarmos que os nórdicos que ganham quatro vezes mais andam de bicicleta!
Será que isto tem remédio?
Pelo menos desde D. Manuel I que vivemos acima das nossas posses. Quando há dinheiro esbanja-se, quando não há aperta-se o cinto, vendem-se os anéis (sempre ficam os dedos) e mete-se a prata no penhor. No século XVI a maior parte dos sapateiros de Lisboa eram flamengos ou italianos porque os salários eram altíssimos e os nossos artesãos não queriam trabalhar. A comida tinha tantas especiarias que os convidados estrangeiros das famílias nobres se retiravam dos banquetes a meio para vomitar...
Nem se pode dizer que sejamos preguiçosos. Um bocadito desleixados com os detalhes talvez. Somos até fortes na arte do desenrascanço. Improvisamos melhor do que planeamos. Adoramos é a pobreza dourada: comer fiado em serviço de porcelana, usar roupa de marca contrafeita, guiar carro de luxo importado podre de velho, andar de taxi até meio do mês.